31 de março de 2009

CAÇA À BALEIA

O TIO RAXA (O VIGIA)

Em São Caetano, na minha infância, o vigia, era o Tio Raxa, uma figura carismática e respeitada.
Diziam os que melhor o conheciam, que o Tio Raxa gostava muito duma pinguinha de vinho.
A vigia das baleias, ficava num alto, entre os dois moinhos de vento, que existiam na freguesia, o do Domingos e o do mestre Pompeu, ali no meio das adegas, do chamado Caminho do Meio. Muitas pessoas o convidavam para ir à sua adega beber uma tigela (de barro) de vinho.
Eu e outros rapazes amigos, gostava-mos muito de ir visitar o Tio Raxa à sua vigia, para ele nos deixar pôr os olhos por alguns momentos no seu binóculo de 18 vezes. Aquilo tinha um sabor especial, no tempo. Coisa engraçada e não rara, é que, muitas vezes, passava-mos no caminho e, víamos o chapéu do Tio Raxa pela fresta horizontal da vigia sobre o binóculo. Chegava-mos lá, era de facto o chapéu e o binóculo do Tio Raxa, mas, o resto tinha andado. Tinha ido consular o corpo e a alma para a adega dum amigo qualquer, que o havia convidado. A certa altura por volta dos meus 13, 14 anos, era mestre da lancha Espartel o Sr. João Abraão (filho); trancador (ou arpoador) de um dos dois botes o irmão Manuel Abraão, e oficial ou mestre do mesmo bote o pai destes, o mestre João Abraão (velho). Pessoa boa, bom conversador e contador de histórias, mestre João Abraão tinha estado emigrado nos Estados Unidos. Era amigo de dar atenção aos mais novos. Gostava muito de mim, e prometeu-me um passeio na lancha Espartel - o que seria um sucesso - à Festa de Nossa Senhora de Lourdes, que se venera na Igreja das Lajes do Pico, no último Domingo de Agosto, na certeza de que o filho João, não lho havia negar. Eu, esfregando as mãos de contente, dei a notícia em casa aos meus pais e irmãos. No tempo, já era muito bom ir à Vila àquela festa, e para mais na lancha Espartel.
Qual não foi o meu espanto quando o Mestre João Abraão me informou de que o seu pedido não tinha sido atendido por aquele seu filho de quem ele tinha muito orgulho? Acreditem que fiquei talvez com mais pena dele, do que ele de mim.
Tantos nomes de baleeiros célebres, outras figuras carismáticas, que ficaram na história da caça à baleia em São Caetano. O povo duma maneira geral, era bom. Respeitava toda e qualquer pessoa de fora da terra que por lá vivesse ou passasse. Alguns baleeiros – normalmente os mais simpáticos – eram convidados para as matanças dos porcos, para ir à adega beber umas tigelas de vinho, para ajudar a vindimar as uvas, etc. Estes, agradeciam, pois normalmente gostavam muito daquele precioso líquido e sempre levavam para casa um cesto de asa de uvas para comer mais a família. Recordo-me ainda dos tempos do Caçoila do Capão do Loiro, etc. profissionais da baleia, que mais para o fim da festa, até cantavam o desafio.
Muito novo ainda, parece-me estar a ver e ouvir o Capão a cantar ao desafio a sua cantiga ao Caçoila:
O Raxa mais o Caçoila
São dois amigos leais
Se o raxa gosta de vinho
O Caçoila muito mais

Com a entrada de Portugal na União Europeia, no ano de 1978, foi proibida a caça à baleia na Comunidade Europeia e por conseguinte, também nos Açores.
No Pico, onde houve forte actividade, resta apenas e ainda bem, o museu da baleia nas Lajes do Pico que vale a pena visitar, onde se pode ver tudo em artesanato, a tenda do ferreiro, o bote, a palamenta, as ferramentas e utensílios que eram utilizados, e se podem recordar aqueles saudosos tempos.
No cais do Pico (São Roque), existe a Fábrica-Museu com todos os seus equipamentos, caldeiras, máquinas, etc., muito bem conservados,

Emigração para os Estados Unidos

Era nas baleeiras americanas quem embarcavam clandestinamente muitos Açoreanos, no século XX, para os Estados Unidos da América do Norte, durante a noite em determinadas rochas do mar. Recordo aqui um caso verdadeiro que ouvia contar aos meus pais, dum tal Domingos Jorge, irmão do tio Francisco Jorge que bem conheci, e era casado com a irmã Ana da minha Avó paterna, que também foi destes emigrantes. Apesar dos seus onze anos, encontrava-se numa terra a trabalhar com o pai. De repente, chega ali alguém da família, um tio, e diz para o pai do rapazinho: - Sabes! A Baleeira vem esta noite buscar pessoal, não queres mandar o vosso Domingos? Acho que era uma boa oportunidade, vai também fulano e sicranos... sempre olhavam por ele na viagem, etc. etc. O rapaz ouvindo aquela conversa desata a chorar, o que se calcula só dever ter parado já em terras do Tio Sam.
Conta-se que foi pegado de braçado e, esperneava como um animalzinho, mas, o seu destino estava traçado. Levado até a casa, a mãe punha de imediato uns cocos (inhames) que tinha ao lume a cozer, mas que ainda estavam quase crus numa bolsa de pano, para ele levar e comer entretanto. Não havia tempo a perder. Entregue a bordo, lá seguiu o seu destino. Sabe Deus as que deve ter passado. E por lá ficou para sempre, sem que nunca mais tivesse voltado à sua Ilha do Pico.
Mesmo assim, muitos, os que tinham mais sorte, apareciam cá mais tarde, com um bom cinto de águias em ouro – cada águia valia 20 dólares.

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